A 14ª Emenda afirma o seguinte: "Quem nasce ou se torna cidadão nos Estados Unidos, e está sujeito às leis do país, é cidadão dos EUA e do estado onde mora'.
Atualmente, no país, essa emenda é tema de muito debate. As discussões em torno de imigrantes sem documentação também impulsiona uma discussão sobre se a cidadania por direito de nascença deveria existir.
No entanto, esta não é a primeira vez que isso se questiona entre os americanos. Não estamos falando do governo Trump, mas sim da época depois da escravidão, no século XIX. Na foto, o general Lee rende-se, marcando o fim da Guerra Civil dos EUA.
Depois da Guerra Civil, os americanos ficaram pensando no que fazer com as milhões de pessoas que tinham sido escravizadas. Esses indivíduos deveriam ser considerados cidadãos? E os filhos delas? Na foto, Dred Scott entrou com um processo na Suprema Corte para tentar ser reconhecido como cidadão.
Adotada em 1868, a 14ª Emenda estabeleceu a cláusula de direito de nascimento e naturalização na Constituição. Foi transformada em lei como parte da ordem jurídica pós-Guerra Civil.
Como as leis dos estados eram diferentes e até se contradiziam, depois da Guerra Civil, um grupo chamado Joint Committee on Reconstruction (Comissão Conjunta de Reconstrução em tradução livre) esclareceu que qualquer pessoa que nascesse nos Estados Unidos seria considerada cidadã americana. Essa decisão valeria para todo o país e faria com que as leis estaduais que fossem contra essa regra não valessem mais.
Por exemplo, um político que não concordava com a 14ª Emenda, o senador da Pensilvânia Edgar Cowan (na foto), disse que a prerrogativa podia fazer com que os Estados Unidos fossem "invadidos por pessoas de outras raças".
No livro 'Birthright Citizens', Martha Jones mostra que a vontade e determinação de quem não era considerado cidadão ajudou a criar a 14ª Emenda, o que nos faz pensar sobre a situação atual. Na foto, você vê o famoso Fredrick Douglass, que lutou pela abolição da escravidão.
Jones descreveu como os ex-escravizados se comportavam como cidadãos, mesmo antes de serem considerados como tal. O que isso significa? De acordo com a autora, eles se engajaram na " criação de normas locais" que, em última análise, foi refletida na lei constitucional.
Usando documentos de tribunais e notícias de jornais da época, Jones mostra que isso aconteceu porque pessoas que não eram consideradas cidadãs agiam como se fossem, mesmo antes de terem esse direito garantido por lei.
Isso quer dizer que essas pessoas começaram a exercer todos os direitos que os cidadãos tinham, como fazer contratos, processar outras pessoas, testemunhar em tribunais, pedir para perdoar dívidas, ter armas e seguir a religião que quisessem, entre outras coisas.
Ao agirem como cidadãos, antes mesmo de terem seus direitos garantidos por lei, essas pessoas mostraram que já eram cidadãs na prática. A participação delas na sociedade ajudou a fortalecer essa ideia e a tornar a cidadania uma realidade.
No final do século XVIII, 20% da população americana era escravizada, principalmente nos estados do sul. Os donos de escravos eram totalmente contra o fim da escravidão pela rentabilidade financeira.
Naquela época, para evitar que as pessoas escravizadas tivessem qualquer poder político, como votar em leis, elas eram contadas como "pessoas parciais".
Ao mesmo tempo, os donos de escravos mais ricos usavam a política e a filosofia para defender a escravidão e tentar justificar por que ela deveria continuar existindo. Na foto, você vê Stephen Duncan, um dos maiores donos de escravos do Mississippi.
Embora o governo federal na época não tenha feito nenhum movimento para restringir a escravidão em nenhum sentido, alguns estados o fizeram (inclusive, às vezes, eram chamados de "estados livres"). Isso criou um senso de dualidade, ao expandir as possibilidades em termos de cidadania.
Essa bagunça de leis diferentes e sem sentido criava muitas brechas. Por exemplo, no estado de Maryland, a lei não deixava que pessoas negras testemunhassem contra pessoas brancas nos tribunais. Mas, em algumas regiões onde havia muitos ex-escravizados, os juízes permitiam que essas testemunhas falassem.
A cidade de Baltimore é um exemplo, entre muitas outras, de como as regras locais acabaram virando leis. As diferenças entre como as pessoas agiam e como elas eram vistas pela sociedade por causa de suas ações precisavam ser resolvidas.
O costume de agir como cidadão antes que a lei tivesse estabelecido esse direito ajudou muito quando surgia a chance de lutar contra as leis que perseguiam as pessoas.
Continuando com o exemplo de Baltimore, uma cidade com muitos ex-escravos que ganharam a liberdade, Jones mostra como a quantidade de pessoas em um lugar pode fazer diferença. Na foto, um grupo de pessoas que eram escravizadas no sul iam para o norte.
Em 30 anos, o número de negros livres em Baltimore pulou de pouco mais de 300 para mais de 10.000 pessoas. Já no estado de Maryland, mais de 25% da população era de indivíduos escravizados, enquanto os negros livres continuavam sendo cerca de 10% da população.
O fato de o estado ter tanto pessoas escravizadas quanto pessoas livres gerava muita confusão e contradição nas leis.
Impulsionadas pela chamada "ameaça demográfica", as leis estaduais (como a proibição do abolicionismo em 1850 ou a proibição da migração de pessoas livres para o estado) buscavam restringir as liberdades de sua população livre o máximo possível, enquanto, ao mesmo tempo, as pessoas livres eram integradas à vida civil.
Em muitos estados livres, as pessoas que tinham sido escravizadas e conquistaram a liberdade eram vistas como 'estrangeiras'. Assim como acontece hoje em dia com os imigrantes, elas eram consideradas uma ameaça para a economia e para os costumes do país.
Assim como as pessoas que conquistaram a liberdade faziam no passado, Jones diz que os imigrantes de hoje nos Estados Unidos estão agindo de forma parecida para defender seus direitos.
Ao entrarem com processos na justiça quando seus direitos são violados e ao participarem da vida da cidade, além de trabalharem e movimentarem a economia (é importante lembrar que os imigrantes sem documentos pagam impostos e seguem as leis), essas pessoas mostram que agem como cidadãos.
Nos últimos 30 anos, as pessoas têm discutido cada vez mais sobre o que a 14ª Emenda realmente quer dizer. Alguns acham que a parte que fala sobre estar "sujeito à jurisdição" significa que os filhos de imigrantes sem documentos não têm direito à cidadania americana quando nascem nos Estados Unidos.
A ideia da 14ª Emenda era que todas as pessoas que nascessem nos Estados Unidos fossem consideradas cidadãs, sem importar a nacionalidade dos pais ou qualquer outra coisa.
Com a Suprema Corte prestes a discutir se a cidadania por direito de nascença é válida ou não, muita gente está preocupada com o que pode acontecer com a cidadania se a Corte decidir contra essa emenda.
Não importa o que a Suprema Corte decida, a visão histórica de Martha Jones sobre como as regras locais influenciam as leis pode nos dar um pouco de esperança. A estudiosa acredita que, mesmo que o direito seja tirado, as pessoas vão encontrar um jeito de reconquistá-lo.
Fontes: (Boston Review) ('Birthright Citizens')
No primeiro dia como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump assinou uma ordem executiva para mudar a 14ª Emenda da Constituição do país. Mas, no dia 19 de fevereiro, um tribunal de apelações dos EUA impediu essa manobra, dizendo que ela era contra a Constituição. Essa decisão pode fazer com que a questão seja levada para a Suprema Corte.
O governo de Donald Trump entrou com uma série de recursos de emergência na Suprema Corte em 13 de março de 2025, buscando aprovação para prosseguir com os planos de acabar com a cidadania por direito de nascença, apesar do fato de tribunais inferiores terem rejeitado veementemente essa tentativa. Nesses recursos, a administração do presidente dos EUA argumentou que os tribunais inferiores excederam os limites ao impor liminares nacionais que bloquearam a política controversa de seguir adiante, instando os juízes a limitar o escopo dessas decisões. Em janeiro, um juiz federal chamou a ordem executiva de "flagrantemente inconstitucional" e interrompeu sua execução. Pouco depois, um juiz de Maryland declarou que o plano de Trump "contradiz com a história de 250 anos de cidadania por nascimento da nossa nação".
A cidadania por direito de nascença é um raro privilégio no mundo — apenas 34 países a oferecem. Mas o que é? Refere-se à concessão de cidadania pela política de Jus Soli, um termo francês que significa "direito de solo". Muitas pessoas se beneficiaram desse benefício, independentemente da cidadania ou status de residência do pai ou mãe em questão em um lugar específico.
Em meio a essa discussão, esta galeria mostra como começou a cidadania por direito de nascença nos Estados Unidos. Clique aqui para saber mais.
Trump vai à Suprema Corte para acabar com a cidadania por nascimento
Ordem executiva considerada "flagrantemente inconstitucional" por juiz federal.
LIFESTYLE Trump
O governo de Donald Trump entrou com uma série de recursos de emergência na Suprema Corte em 13 de março de 2025, buscando aprovação para prosseguir com os planos de acabar com a cidadania por direito de nascença, apesar do fato de tribunais inferiores terem rejeitado veementemente essa tentativa. Nesses recursos, a administração do presidente dos EUA argumentou que os tribunais inferiores excederam os limites ao impor liminares nacionais que bloquearam a política controversa de seguir adiante, instando os juízes a limitar o escopo dessas decisões. Em janeiro, um juiz federal chamou a ordem executiva de "flagrantemente inconstitucional" e interrompeu sua execução. Pouco depois, um juiz de Maryland declarou que o plano de Trump "contradiz com a história de 250 anos de cidadania por nascimento da nossa nação".
A cidadania por direito de nascença é um raro privilégio no mundo — apenas 34 países a oferecem. Mas o que é? Refere-se à concessão de cidadania pela política de Jus Soli, um termo francês que significa "direito de solo". Muitas pessoas se beneficiaram desse benefício, independentemente da cidadania ou status de residência do pai ou mãe em questão em um lugar específico.
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